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TEXTO SÉRIE TUDO O QUE NÃO INVENTO É FALSO (2016)

Galeria Homero Massena, Vitória/ES

Texto: Daniellen Nogueira
 

Composta de 10 desenhos, em que são apresentados elementos em vermelho e em azul, a série do artista Rick Rodrigues desvela pequenos mundos dentro de outros mundos.

Alterando as dimensões de objetos, casas e figuras humanas, Rick faz associações singulares que se destacam no fundo límpido do papel creme. Tudo parece estar no campo da sutileza. O tratamento dado ao acabamento dos desenhos – em todas as suas séries, vale ressaltar – aproxima-se do zelo que o artista possui com os símbolos de sua memória afetiva. O cuidado converte-se em leveza, no trabalho minucioso dos degradês e na alternância da intensidade da cor influenciada pela luz nos cenários.

Mesmo sem traços referenciais de teto, parede e chão, alguns dos elementos presentes nos desenhos não parecem flutuar no espaço, mas apoiam-se no fundo, que, assim, não se demonstra como um espaço vazio.

Mantendo relações fortes com as casas de passarinhos expostas na galeria, são apresentadas a nós figuras com aberturas, orifícios.  A figura da cama, por exemplo, cujo sentido primeiro é o lugar em que o corpo descansa, possui uma escada adentrando o seu centro. Assim como outros orifícios, não nos são dados indícios de direção – entrada e saída. Contudo, a escada parece simbolizar o adentrar no sono, nos sonhos, em reflexões, e a ida à superfície, à realidade, à clareza.

Nas gavetas de uma cômoda vermelha, a escada apoia-se em uma dessas aberturas. Há aqui, também, o diálogo com o ir e vir, porém ligado ao processo de arquivar memórias, vasculhá-las, (re)descobri-las neste espaço em que são abrigadas.

Em outras séries de Rick, casas aparecem aglomeradas formando texturas ao fundo. Agora, o artista parece nos aproximar da individualidade da construção, deixando em aberto se o que é representado refere-se a uma “realidade” interna de uma casa ou de várias delas.

Diante desses cenários internos de habitação, adentramos em um campo de descoberta das memórias do artista através das associações e jogos feitos pelo mesmo. De certo modo, passamos a conhecê-lo intimamente, pois a forma que os elementos são organizados transparece algo do sujeito habitante da casa, da dinâmica de sua vida.

As lembranças de elementos familiares de Rick são representadas por pequeníssimos móveis de madeira. São memórias espacializadas, miniaturas (re)organizadas, deslocadas, que se comunicam com as pequenas cenas criadas no espaço do papel.

Móveis de madeira, muitas vezes, sobrevivem ao passar do tempo, estando no nosso presente. Porém, eles nos trazem camadas de memórias do passado, assim como as de verniz, e aquelas adicionadas de memórias novas e mutáveis, advindas da experiência de um indivíduo em sua relação com o mundo.

Na tridimensionalidade dos cenários, são criadas possibilidades de relações entre a dimensão do corpo do sujeito que se encontra na exposição junto às miniaturas expostas na galeria. Uma cadeira pequena para um ser “gigante”, uma cama em que não se pode deitar, uma escada alta, porém muito estreita.

As camas dispostas e vazias, que continuam a se relacionar com a ideia de abrigo – que perpassa as figuras das gavetas e casas –, surgem como ninhos abandonados por um corpo. Um corpo que o ninho não o comporta mais – fisicamente ou não. Corpo ausente.

Tanto seus 10 desenhos, como suas miniaturas, trazem à tona a importância da vivacidade do processo imaginativo, o não podamento dos devaneios, dos sonhos, remetendo-nos à infância. Assim como explana Bachelard, em A Poética do Espaço (1974), “A infância é certamente maior que a realidade”.

Na produção de Rick, o sujeito encontra-se diante da possibilidade de ocasionar fissuras em suas camadas de certezas firmadas e de razões consolidadas. O espaço expositivo passa a abrigar um convite para que adentremos em nossas lembranças, rememoremos nossas origens, o nosso “espaço-lar-abrigo”. Segundo Bachelard, “Nossa alma é uma morada. E quando nos lembramos das ‘casas’, dos ‘aposentos’, aprendemos a ‘morar’ em nós mesmos”.

Em seu ato de aproximação consigo mesmo, Rick compartilha o que há de mais profundo: sua história, suas memórias – essas carregadas de alegrias, tristezas, saudades e das possibilidades que as mesmas possuem de se ressignificarem.

São pequenos mundos dentro de outros mundos. Cenários que não falam somente dele, mas também falam sobre nós.
 

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