TRANSBORDAR: TRANSGRESSÕES DO BORDADO NA ARTE (2020)
Texto que acompanha as obras
Sesc Pinheiro, São Paulo/SP
Texto: Ana Paula Cavalcanti Simioni
RICK RODRIGUES. SEM TÍTULO. SÉRIE ALMOFADINHAS
Delicadeza talvez seja a palavra que melhor exprime as obras aqui expostas pelo artista capixaba Rick Rodrigues. As linhas finas, puras, quase infantis de seu desenho – prática a que se dedica desde os tempos da faculdade - se insinuam cuidadosamente sobre essas pequenas e aconchegantes almofadas. O bordado é suave, como se se recusasse a macular o tecido que lhe serve de base. Nada mais distante do que as primeiras recordações que possui do ato de bordar, em que o irmão mais velho costurava o couro, duro e áspero, na fazenda dos avós.
Esse objeto específico- a almofada- possui sentidos importantes em sua produção. Elas habitam um universo que lhe é central, o da casa. Casa tomada como um espaço de afetos e de memórias, como um abrigo, um refúgio. Segundo Rick Rodrigues, esses homens com jardins na cabeça falam exatamente sobre a experiência de se ingressar numa casa, ter contato com a poesia que essa carrega em cada um dos seus cômodos até se chegar ao quintal, e observar as flores que ali estão. Eles traduzem formas de habitar, termo aqui entendido não como um simples morar, mas como uma maneira de se estar no mundo.
As almofadas são também um símbolo do coletivo formado por Rick e outros dois artistas, igualmente presentes nessa exposição, Rodrigo Mogiz e Fabio Carvalho. Em 2017, os três fundam o grupo “Os almofadinhas”. O texto de apresentação explica que o nome faz referência a um concurso que ocorreu em 1919, em Petrópolis (RJ). Neste, segundo os termos da época ““rapazes elegantes e efeminados” se reuniram para definir quem era o melhor na arte de bordar e pintar almofadas trazidas da Europa especialmente para a ocasião” . A reação social aos almofadinhas de outrora foi grande. Afinal, eles desafiaram os valores dominantes sobre masculinidade, termo que compreendia um sentido único e normativo, de sinônimo de virilidade.
Ao se apropriarem da expressão “Almofadinhas”, os artistas subvertem o sentido negativo que essa recebeu no passado. Fazem dela um emblema de uma tríade de artistas homens que usam o bordado como um meio expressivo; questionando a ideia corrente de que a masculinidade só pode ser vivenciada a partir de um único modelo, compulsório e naturalizado. Estereótipos de gênero, como bem apontam em seu
manifesto, são construções culturais e, assim, como eles próprios afirmam “são dependentes de tempo e espaço (local); são acordos feitos por um certo grupo humano e que, em geral, por acontecerem ao longo de várias gerações, podem nos parecer "eternos", uma vez que nossas vidas são tão curtas, e testemunhamos apenas uma pequena fração deste processo”(https://www.rickrodrigues.com/almofadinhas-texto-do-coletivo). Essas questões tão profundas e questionadoras, são aqui propostas por meio de obras aparentemente frágeis, delicadas e melancólicas. Elas nos encantam e nos desestabilizam.
Ana Paula Cavalcanti Simioni, curadora da exposição "Transbordar: Transgressões do Bordado na Arte". Sesc Pinheiros/SP.