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CELEBRAR OS SONHOS E OS MISTÉRIOS (2025)

OÁ Galeria, Vitória/ES

Texto: Leo Fávaro

[Eu não tenho nada pra dizer, por isso digo]

 

Quando Rick me convidou para escrever este texto, deu carta branca para que eu transformasse em palavras seus dez anos de parceria com a OÁ Galeria, em Vitória - ES. Mesmo sem saber previamente quais obras estariam aqui expostas, compreendi que seria redutivo dizer que esta mostra é uma retrospectiva de sua produção na última década. Rick sempre foi artista. Ele é artista por tudo que viveu e, sobretudo, pelo que sonhou. Ser representado por uma galeria, entretanto, tornou-se realidade antes mesmo que Rick sonhasse com isso.

 

Foi entre 2014 e 2015, depois de uma visita à Galeria Espaço Universitário, na Ufes, onde Rick apresentava desenhos de sua série de monocromias feitas em grafite azul e vermelho, que Thais Hilal soube do artista joão-neivense. Ali, convidou o então acadêmico do último semestre de Artes Plásticas da universidade para que conhecesse sua OÁ.

 

Depois de reunir seus trabalhos numa pasta, Rick rumou ao encontro num ônibus João Neiva x Vitória. Foi cru, como o mais puro tecido de algodão que receberia suas obras futuras. Nada mais era necessário - nesse caso, nada mais oportuno do que dizer que tudo se alinhou.

 

O resultado dessa visita vai além das obras aqui presentes ou das incontáveis feiras e exposições que fizeram juntos. O grande êxito do encontro é a costura firme e duradoura que une os dois, em pontos duplos, numa rara parceria vista no mundo das artes.

 

 

[Eu não tenho muito o que perder, por isso jogo]

Ao longo dos 10 anos que atravessam a parceria de Rick com a OÁ, suas obras mudaram, mas ele permanece o mesmo. Não há que se falar em fases; tudo vem da mesma fonte. Do grafite ao bordado, do papel ao metal, o que se observou na última década foi a descoberta de formas de compartilhar tudo que o atravessa.

 

“Experimento sem tentar entender o que está acontecendo e isso vai sendo elaborado enquanto se faz”, afirma o artista. Tudo é feito com tamanha verdade que, mesmo diante das transições mais evidentes – como quando transfigurou os desenhos de pequenos objetos em peças reais; as linhas elaboradas em grafite em linhas de costura; ou as gravuras em grandes instalações -, nada parece poder ser diferente do que é, ainda que não tenha sido assim planejado.

 

É esse novelo de própria verdade que guia Rick. Tal qual o mito de Ariadne, aqui também é o fio-guia que conduz o artista, que apenas obedece a esse suporte e se entrega ao labirinto. O percurso desconhecido não o assusta porque quem conhece sua verdade cria a própria trilha. “Todo esse caminho que percorri já é grandioso para mim. Não me preocupo com validação, não faço arte para ninguém; faço porque sinto essa necessidade, essa vontade quase que indominável”.

 

Nem medo, nem confiança; o lastro do artista é a coragem. “Estou aberto aos mistérios, preparado para receber as coisas mágicas e pronto para o que acontecer – mesmo que nada aconteça”. Embora novas em seu reconhecimento, essas incógnitas percorreram a própria existência de Rick, sua mente e suas mãos esse tempo todo. Talvez residam aí os mistérios a serem celebrados.  

 

 

 

[Eu não tenho hora pra morrer, por isso sonho]

 

Os sonhos são para Rick escape e combustível. Sonhar foi e é sua forma (r)e(x/s)istência num mundo onde todos estão acordados. Ao criar microcosmos, ele faz de suas obras estratégias de sobrevivência numa realidade onde a poesia é dura, áspera e monocromática. Não há dúvidas: sonhar nunca foi tão necessário para manter-se desperto.

 

Ao mesmo tempo que Rick se entrega ao devaneio, ele o faz com lucidez necessária. A força e a fragilidade tornam-se amálgama que nos posiciona num limbo de reflexão existencial: a gaiola está aberta, mas será que eu preciso bater as asas? Como sonhar em travesseiros de concreto? O que fica quando todos se vão?

 

Aqui, não se buscam respostas. O frio na barriga é permitido e incentivado. Se a cabeça está nas nuvens, deixe que as gotas de chuva refresquem o pensamento. Já que o carrossel gira, entregue-se à ciranda.

 

Parte dessa fantasia reflete o que há de reminiscência. A busca pelo passado é ampliada e transformada em obras que falam de saudade, presença, lembrança, planos e histórias. Pouco importa se os rostos são familiares ou se as personalidades são desconhecidas; é na universalidade da memória, com lacunas propositais preenchidas pela experiência individual, que o artista nos alcança.

 

Ao aceitarmos o convite de seguir pelas narrativas de Rick, nossos passos são guiados por suas mãos. São elas que constroem o que se vê e que possibilitam a tangência da emoção. São elas que nos tocam e mostram que arte se faz fazendo. Tudo mais é uma carta branca onde cabem todos os sonhos e mistérios; onde estão contidas as coisas da vida.

Leo Fávaro, verão de 2025.

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