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TEXTO CURATORIAL – [...] TALVEZ UM DIA AINDA SEJA POSSÍVEL (2024)

Centro Cultural e Museu Ferroviário "Professor Eliezer Pereira Ramos", João Neiva/ES

Curadoria/Texto: Dani Nogueira

Quais memórias e condições estamos deixando para as próximas gerações?  O que estamos embalando para o futuro?

 

À medida que o caminho da interseção entre passado e presente se tornou bem conhecido para Rick Rodrigues, o artista passou a fortalecer as bases de uma nova ponte entre os tempos presente e futuro.

 

Não há mais tempo para hesitar ou postergar e, sem surpresa, a reconstrução de um novo modo de operar mostra-se viável apenas no âmbito da coletividade. Para isso, é fundamental fortalecermos não somente os laços afetivos, que por vezes são negligenciados devido ao ritmo do dia a dia que nos retira momentos preciosos de convivência e de pensamento/reflexão, mas também se faz necessário alimentarmos nossa consciência de forma política, social e ambiental para que possamos olhar para além daqueles que estão mais próximos de nós. Como diz Ailton Krenak, “nós podemos habitar este planeta, mas deverá ser de outro jeito”. Assim, torna-se imperativo mudar o curso da nossa forma de estar no mundo.

 

Na produção de Rick Rodrigues, a abordagem do afeto e da memória sempre teve dimensão política. O ato de ressignificar suas vivências e histórias já se estende para a materialidade há anos, onde agulha e linha são agentes mediadores e transformadores de objetos em obras que suscitam em nós reflexões, saudades, conforto e desconforto. Materiais que seriam de descarte tomam proporções expressivas em seu acervo, tornam-se suporte do bordado e vêm fortemente circulando em exposições individuais e coletivas dentro e fora do Espírito Santo.

 

Na exposição “[...] talvez um dia ainda seja possível”, encontramos máscaras, embalagens de papel e, em especial, caixas de remédio, que apresentam um crescimento exponencial de uso pelas pessoas. Essas caixas se destacam por suas frases, criadas e bordadas pelo artista, e pelo verso que passa a estar, pela primeira vez, à mostra, com seus nomes, fabricantes, orientações e tarjas com cores que identificam o grupo dos medicamentos, fazendo-nos pensar sobre nossa própria existência.

 

O "botão vermelho" e a sirene do mundo vêm sendo acionados há algum tempo, indicando a urgência de reavaliar e dar novos significados àquilo que já conhecemos. Testemunhamos em escala global nossa fragilidade, o valor de um abraço, a importância do ar e do encontro acompanhados da sensação de solidão e da dor em suas diferentes facetas. Foi preciso reorganizar rotinas e nos “afastar por afeto” (em referência a uma das obras do artista).

 

Reaproveitar um material é dialogar com o tempo, é transitar entre o que ele foi, o que ele começa a se tornar e o que ele se torna. O artista destaca que transformar as coisas é uma forma de pensar mundos possíveis dentro do próprio mundo, construir outras possibilidades, já que não existe o fora.

 

E se o conceito de habitar e não habitar são representados por figuras de casa, móveis e diversos objetos-miniaturas na carreira do artista, nos quais ele faz analogias aos sonhos e desejos em ambientes que, por muitas vezes, possuem as paredes brancas, nesta exposição, as obras bordadas nesses materiais rotineiros são organizadas em paredes de madeira compensada, dentro de um espaço com estrutura de materiais brutos que, com suas diferentes texturas, cores e objetos, carregam histórias, inclusive da cidade. Por meio do gesto do bordado e do afeto, Rick afeta e busca lembrar que o lar em que habitamos é o próprio mundo, é onde pisamos, é onde estamos.

 

Na entrada, uma obra inédita, em forma de letreiro neon, chama a atenção para o título da exposição. É a primeira vez que o artista utiliza a luz como material em sua carreira. Essa escolha potencializa uma dualidade interessante entre o bordado, um fazer manual tão presente na maioria dos seus trabalhos e um recurso tecnológico em que ele não utiliza suas próprias mãos para construir. Potencializa, pois a dualidade já se faz presente quando ele borda nos diferentes suportes mencionados e produzidos pela indústria. Ao refletirmos sobre isso, percebemos logo que por trás de qualquer coisa, ação ou máquina há pessoas. Os vários caminhos convergem porque fazemos parte de um todo.

 

Rick inspira esperança em tempos melhores, mas alerta sobre a necessidade da ação no agora. Dessa forma, se criarmos mais pontes entre nós e espaço para que os sonhos e desejos individuais tenham pontos de confluência no coletivo, “[...] talvez um dia seja possível” pensarmos em um futuro mais harmonioso e com menos urgência.

 

Dani Nogueira.

Mestra em artes, produtora e artista.

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