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TEXTO CURATORIAL – FIAR (2023)

Museu de Arte do Espírito Santo Dinísio Del Santo, Vitória/ES

Curadoria/Texto: Neusa Mendes

Dois anos após sua última mostra (VIX estórias capixabas, exposição coletiva) no Museu de Arte do Espírito Santo (MAES), Rick Rodrigues retorna ao museu capixaba com “Fiar”, sua nova exposição solo.

 

Tendo o bordado como fio condutor, o artista apresenta o encontro de obras que já viajaram por várias regiões, por galerias e museus brasileiros, com outros trabalhos inéditos elaborados desde que o período pandêmico rompeu a rotina de vida e pausou o mundo.

Também compõem a coleção de “Fiar” obras produzidas em oficinas, laboratórios, ateliês, cursos e encontros com diversas comunidades. São esses os modos de Rick comentar e estimular mudanças na ordem social vigente, com contribuições importantes para a coletividade; é essa a ótica pela qual o artista enxerga a transmissão de informações conectadas aos direitos humanos. Inter-relacionar coletividade e cultura: eis uns dos conceitos essenciais da arte-vida de Rick Rodrigues.

Com a mostra, o artista propõe para o espaço expositivo a demarcação da presença construindo uma obra capaz de expandir sua história pessoal de vida num jogo de identidade e suspensão do tempo. O resultado disso se revela em pequenos e inúmeros testemunhos universais sobre passado, experiência do instante, amor e laços familiares, os quais podem ser vistos por meio de pequenos objetos, eventualmente unidos por fios de novelos vermelhos, sinalizando implicações simbólicas.

Na obra de Rick Rodrigues há também a junção entre imagem e palavra. Pequenos fragmentos de palavras insistem em aparecer por debaixo dos desenhos: ora são decalcagens (estratégia que vem da gravura, interesse do artista), ora alguns desses elementos tridimensionam-se, saem do papel ou dos bordados, e pousam na parede criando narrativas enviesadas.

A paleta do artista ora é sóbria, de tons baixos, ora prima pelos fortes vermelhos, azuis, amarelos e pretos. Outras vezes, o branco domina toda a superfície, onde há delicadas intervenções por meio de objetos, traços, pontos ou linhas nas quais predomina a monocromia. Detalhes de azul e vermelho aparecem em pequenos desenhos e minúsculos objetos. São sapatos, caixas, globos, casinhas de passarinho, cidades, nuvens, caminhas, casinhas, cadeiras e tantos outros que se oferecem como uma mina de metáforas.

“É tudo muito reduzido. Eu gosto da estranheza que produz o objeto tridimensional junto do desenho, causa incômodo [...], uma pequena escada de madeira que não é possível aceder, casinhas, caixinhas, aviãozinho que trago da memória da minha infância”, conta Rick. Cortinas bordadas em tecido voil branco, propostas pelo artista também para “Fiar”, serão produzidas no museu enquanto a exposição estiver em visitação. Com isso, elas adquirem sentido espacial e significado elementar. Enigma de dimensão subjetiva e deslocamento.

É certo que a poética de Rick Rodrigues conduz nossos pensamentos e sentimentos circunscritos à geografia da cidade onde ele nasceu e ainda habita: João Neiva (ES), a 76 quilômetros da capital capixaba. Não abriu mão do trajeto nem mesmo quando cursou a graduação em Artes Plásticas e o mestrado em Artes, ambos na Universidade Federal do do Espírito Santo. Mas o artista explora novos lugares, reais ou imaginários, ao estabelecer cada uma de suas obras. Essa é sua forma de habitar e ser habitado.

Talvez convenha mostrar como a arte e a organização não só se harmonizam como também se aliam na poética de Rick. Elas atuam como formato, dando-lhe conteúdo, modos distintos de como as relações são estabelecidas: a sua moradia. O artista projetou e construi, literalmente, em companhia do irmão sua casa em sua cidade natal. Associá-la aos procedimentos geradores das suas criações é decisivo e consequência dos princípios de interpretação da obra do artista. Habitá-la é um fio condutor e movimento; por outro lado, com efeito, é repouso e pausa, é tranquilidade. Uma espécie de paisagem alimentada, averbada por ideias, que são portas de entrada para seus procedimentos cognitivos.

Ao explicar a dimensão do lugar constituído, o artista relata que tem a companhia de múltiplos diálogos e especificidades, modos de ver extraordinários, possíveis e excepcionais, do interior da sua morada. Nos seus arredores, o “cenário” é o da fábula: entrar na poética de Rick Rodrigues é como atravessar o espelho de Alice – eis aí o verdadeiro sentido das coisas.

Não é por acaso que o título da exposição nos leva ao encontro da mitologia grega do fio de Ariadne. Há, aí, a construção de dois tempos: passado e presente; memória e história. No jogo dessas possibilidades, diríamos, a jovem Ariadne encantou-se com o herói Teseu, a quem ajudou a vencer uma luta contra o Minotauro. A bela ofereceu a Teseu uma espada e um novelo de linha para sair do labirinto.

Aqui, o novelo usado por Rick nesta proposição se torna um indicador de caminhos. Esse processo pode assumir o método de um registro mental, uma marcação física: “Fiar” transforma-se em um símbolo de raciocínio lógico, que permite seguir completamente os vestígios das pistas ou assimilar, gradativa e seguidamente, a compreensão do tempo. É passaporte para uma reorganização simbólica – da espera à esperança.

Neusa Mendes, artista, curadora e pesquisadora.

Inverno de 2023

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